sexta-feira, 20 de março de 2015

Sobre o que se gosta de escrever.

  Essas coisas me atingem de modo estranho. Consigo me lembrar perfeitamente de como era sua voz, sua risada solitaria na sala de aula, as perguntas cretinas procurando algum sentido na existencia, mas nada disso, absolutamente nada disso, me faz sentir triste. O dia parece mais funebre e eu acho que combina. A unica coisa que ecoa na minha cabeça é: ele se matou.
 
 Eu nao preciso saber do motivo. Ninguem deve ousar pensar no motivo. Seria um insulto. Convivi com ele tres anos e tres anos com uma pessoa é mais que o suficiente para quando uma coisa estupida dessas acontece voce saber o motivo. Merda. Todo mundo foi o motivo. A sinceridade exasperada e esperançosa. A falsa identidade arrogante.

   Todo mundo pensa em fazer isso em algum momento da vida. Mas o que leva uma pessoa a fazer isso mesmo, a pendurar a corda friamente no chuveiro, posicionar o banquinho, subir nele, cuidar para nao cair antes da hora, ai entao escrever com um lapis na boca e a cabeça enfiada no hall do inferno o nome no topo da lista da morte. Merda.

  Monto o lixo todo em minha cabeça. Ele tava ouvindo musica? Aquela bosta de melodico dos anos 70 que ele costumava ouvir enquanto estudava? Corpo frio ou corpo quente? Que cor ele ficou depois? Ele se livrou daquela garota? Daquela maldição?

   E se no ultimo segundo, se um segundo antes do estrangulamento final ele tivesse achado a solução, o sentido pra tudo, e nisso precisasse de mais um segundo para se desvencilhar da corda, cair de costela no banquinho, se arrastar ao canto do banheiro, ligar o chuveiro e ficar la. Pensando numa solução nova. Naquela que ele enxergou nos olhos da morte. Se tivesse dado tempo, eu nao estaria aqui escrevendo. O tempo estraga muita coisa. O tempo é um desperdício de tempo, e tem coisas que a alma pede que o corpo nao pode dar.
de olhos meio melancolicos
observo tua paixao por tudo
de modo que nao me ves
nao me sentes

sentes medo
e sentes fervor

de olhos meio melancolicos
vestes a alegria
expira a poesia.

como alguem que afogado
buscas um pouco de ar
mas nao ve a maravilha doscorais

e observo com melancolia
tua alma semi serrada
meio melancolica.